Domingo à tarde no shopping, ele empurrando o carrinho do bebê e segurando o dog pela coleira. Ela, à frente, leva as sacolas e olha as intermináveis vitrines. Se tudo der certo, ela aceitará que ele pare num quiosque pra uma água e uma olhadinha no futebol na tevê. Afinal, ela passa a semana cuidando de todos, e domingo é sua vez. O papaizinho entende que trabalhou a semana toda e precisa colaborar... Mas a segundona chega brava – trânsito, boletos, insônia, falta de sexo e paciência.
Costumo dizer que segunda-feira é o dia mundial das pessoas normais e mal resolvidas (tudo junto) se manifestarem. A procura por viagens, profissionais do sexo e afins é grande: a necessidade de sair da normalidade é forte. E dá-lhe internet. Junto a tudo isso vem a necessidade de algumas “coisitas” diferentes: sadomasoquismo, chicoteadas, pisadas, chuvas de coisas, uma ou duas mulheres, enfim – qualquer anomalia que tire o indivíduo da mesmice do cotidiano. Normose à vista.
Se a vida fosse um álbum de figurinhas desde o nascimento, o indivíduo em questão já estaria quase lá: nasceu, fez natação, estudou até o MBA, fala uma ou duas línguas a mais que o português, fez intercâmbio, trabalhou e trabalha em boas empresas, namorou e casou com a nora do sonho dos pais, tem um neném, uma casa, um cachorro e viaja sempre.
E agora? Talvez demore um pouco até a próxima página do álbum e, apenas figurinhas de sorrisos, festas natalinas e pontos turísticos cansam. Quem poderá salvá-lo?
Normose é a junção de normal com ose (sufixo que designa processo doentio), logo, é a patologia da normalidade.
A pessoa se sente tão normal que não consegue se livrar dos sintomas sociais – a famosa ideia “de que é assim com todo mundo e pronto”. Adaptou-se ao coletivo, ao que julgamos ser o correto. E, de repente, começam a surgir pensamentos inusitados – “eu nunca pensei em fazer isso na minha vida”. Respira! De louco e santo todos temos um pouco. Somos seres inacabados, incompletos – por isso procuramos leis, regras, religiões e dogmas.
Precisamos que alguém nos eduque, porque sozinhos não daríamos conta desse vazio existencial, dessa sensação de estarmos insatisfeitos com o álbum de figurinhas. Desenvolvemos uma “persona” para liberar nossos desejos. Todos nós temos desejos que não admitimos nem para nosso travesseiro! Fiquem em paz.
Bem vindos à vida. Como terapeuta, os relatos acima são normais, muito normais. Como escritora, abuso da criatividade. Como mulher, procuro trabalhar meus desejos. A terapia muito me ajuda a entender essa incompletude – nos conhecendo mais, passamos a entender nossos impulsos mais obscuros, ou pelo menos a lidar melhor com eles. Geralmente, nossa obscuridade tem a ver com sexo, humilhação ou poder. Muito está contido nas memórias que trazemos de nossa infância e nossos ancestrais - é preciso uma varredura em nossa memória para entender nossos anseios.
Como cuidado terapêutico, recomendo que, se você se identifica com esse artigo, procure extravasar algumas vontades: pular de paraquedas, pular numa cachoeira, aprender a dançar, ir numa casa de swing, tomar um porre (vai que você nunca tomou um na vida!), fazer uma massagem tântrica (você vai amar!), transar conscientemente num lugar público, e por aí vai. Saia da rotina, saia do contexto social. Saia do shopping, deixe o baby and dog na sogra e vá pra uma balada liberal. Solta o bicho e vai ser feliz. (esse artigo não questiona nenhuma preferência, apenas demonstra a realidade).