Publicado em 28/11/2023
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Oi, você sabe onde vende um pote de amor-próprio?
Caso você saiba, eu te faço um pix e você me envia pelo correio, por gentileza. Caso contrário, continuemos em terapia
Faz um tempo que eu trabalho com gente, na verdade um longo tempo. Mas eu não sei definir amor-próprio, eu sei vivê-lo e reconheço-o em cada pessoa que, de pouco em pouco, consegue manifestar seu amor-próprio, acredito que ele sai com tanto sacrifício, que me pedem para usar fórceps, e o nenem sai, no tempo dele.
Geralmente os parideiros não sabem que nome tem esse bacuri, mas eu sei que o nome dele é amor-próprio.
Eu já vi amor-próprio no choro de quem não respondeu aquela mensagem, pois sabia que ela era o retorno ao marco zero.
Eu já vi amor-próprio no pedido de ajuda feito aos quarenta e sete do segundo tempo, mas ele aconteceu. Eu vi amor-próprio no choro, em plena meditação, de quem o peito já não suportava a angústia e acabou desabando.
Eu vi amor-próprio no não, que atravessou galáxias até sair daquela boca. Eu vi amor-próprio em quem ficou na sua, quieto e pensativo, mas não ofendeu nem brigou, pois sabia que era sobre o outro e não sobre si.
Eu também senti o cheiro do amor-próprio em quem migrou para o outro quarto, pois já não suportava o peso da humilhação na mesma cama.
Eu dei de cara com o amor-próprio quando, mesmo diante da dor, ela saiu pela porta da frente, a mesma que um dia foi convidada a entrar, e agradeceu, mesmo com o olho roxo.
Eu conheço parentes do amor-próprio também, que aparece em forma de consulta médica, medicação correta, exercício físico - um dos primos mais interessantes - comida de verdade, unha pintada, cabelo penteado, roupa decente.
Vi também o amor-próprio chegar em forma de admissão na faculdade, atualização de currículo no Linkedin. Eu o vi também no café da tarde em família, no pedido formal de desculpas.
Vi na noite dormida no hospital com a amiga gestante, o vi também no abraço apertado na mãe.
Eu o encontro por aí também, em formato de bons modos, gentilezas, educação e respeito. Eu o vejo nos quietos, pois se validam como são.
Eu vejo bastante amor-próprio na coerência de não entrar em discussões acaloradas, cujo assunto sempre é uma polêmica.
Vejo muito amor-próprio em quem sabe guardar um segredo e jamais dissemina a fofoca. Vejo amor-próprio nos que ensinam sem arrogância, nos quem praticam a empatia.
Acredito que o próprio-amor é capaz de organizar os pensamentos, avaliar o que vale ou não a pena. E o que não dá pra entender, pelo menos naquele momento, é mantido em stand by, o modo espera dos eletrônicos, pois é o que tem pra agora e a vida precisa continuar. Um dia a gente entende, até mesmo juntos.
Pois amor-próprio é construído todo santo dia, fazendo o que precisa ser feito. Tem dia que é na marcha lenta e nas maiorias dos dias, numa velocidade permitida, pois o equilíbrio faz fronteira com a razão.
Difícil encontrar em potinho pra vender, pois são nas suas pequeninas atitudes que ele se forma.
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